fonte: MedScape

É a diferença entre correr uma maratona e dar um passeio tranquilo. Foi assim que o Dr. Joey Whelihan, novo residente em pediatria, comparou um turno de 11 horas em uma unidade de internação hospitalar com um turno ambulatorial de oito horas, em que os residentes atendem pacientes em uma clínica.

Durante o estágio hospitalar, “você tem sorte se tiver tempo para preparar o jantar, ir para a cama e se organizar para o dia seguinte”, disse ele, que recentemente iniciou sua especialização em hebiatria no Children’s Hospital of Philadelphia, nos Estados Unidos, após três anos de residência lá. Alguns residentes têm plantões a cada quatro dias durante o estágio de pacientes internados, trabalhando de 24 a 28 horas nestas ocasiões. Eles chegam cedo e vão para casa na manhã seguinte, explicou o Dr. Joey ao Medscape.

“Os blocos ambulatoriais proporcionam mais tempo para recuperar o fôlego e se sentir revigorado e pronto para cuidar dos pacientes.”

Períodos mais longos de rotação em estágios hospitalares não são sustentáveis, acrescentou ele, e os residentes provavelmente ficarão exaustos. A fadiga é uma das principais causas de burnout, um problema mental, físico e emocional que os programas de residência e as organizações médicas nacionais têm tido dificuldade para combater.

Nos últimos anos, tem ocorrido um movimento para reduzir a duração máxima dos turnos de serviço em programas de residência nos EUA. Alimentado pelas preocupações com a saúde dos residentes e a segurança dos pacientes, o movimento representa uma mudança em relação ao tempo de plantão então vigente, de 24 a 36 horas.

Melhores sistemas de plantão, melhores residentes

A associação entre burnout, bem-estar e carga horária aparece frequentemente nos regulamentos dos programas nacionais. De acordo com os atuais requisitos padrão para programas de residência do Accreditation Council for Graduate Medical Education, “residentes e membros do corpo docente estão sob risco de burnout e depressão”.

“Os programas, em parceria com suas instituições financiadoras, têm tanta responsabilidade de trabalhar o bem-estar como outros aspectos das competências dos residentes”, afirmam as diretrizes. Essa responsabilidade envolve “atenção à programação, intensidade do trabalho e sobrecarga de atividades, que podem afetar o bem-estar dos residentes”.

No Residents Lifestyle & Happiness Report de 2023, publicado pelo Medscape, um terço dos residentes entrevistados ​nunca ou ​raramente davam atenção ao seu bem-estar, o que reflete de perto os 31% que nunca ou raramente tinham tempo para uma vida social. Uma proporção ligeiramente maior (37%) afirmou que seu equilíbrio entre vida pessoal e profissional era “um pouco pior” ou “muito pior” do que esperavam.

“Na residência, acho que todos sofrem burnout, independentemente do tipo de programa de que participam”, afirmou o Dr. Joey. Ele descreveu a experiência como uma situação em que não há satisfação e empatia, e o residente sente-se exausto, insensível e afastado das interações com colegas e pacientes.

O relatório recentemente divulgado pela American Medical Association sobre o bem-estar durante a residência em 2023 também constatou que cerca de 43% dos médicos residentes e em especialização apresentavam pelo menos um sintoma de burnout, um aumento de cerca de 2% em relação a 2022.

Esforços para combater o burnout

Um programa de residência encontrou uma maneira de reduzir o burnout alterando sua programação de estágios de quatro semanas de rodízio hospitalar com uma semana de rodízio ambulatorial (4 + 1) para quatro semanas de rodízio hospitalar — com plantões — e quatro semanas de ambulatório, sem plantões (4 + 4), de acordo com um estudo publicado recentemente no periódico JAMA Network Open. A iniciativa atraiu elogios de alguns residentes e de um professor de medicina que estuda questões de bem-estar.

Na pesquisa com alunos dos primeiro e segundo anos de pós-graduação e residentes da atenção primária do Programa de Residência em Clínica Médica da University of Colorado, nos EUA, entre junho de 2019 e junho de 2021, a mudança de cronograma resultou em melhores pontuações em escores relacionados ao burnout e à autoestima, bem como em benefícios profissionais, educacionais e de saúde autorrelatados.

Como parte da pesquisa, os residentes classificaram os sintomas em uma escala de sete pontos, com base na frequência com que sentiram exaustão emocional, despersonalização e satisfação pessoal.

Os pesquisadores também utilizaram um questionário para avaliar como os participantes percebiam a influência da estrutura de rotação de estágios em vários desfechos, como a capacidade de adquirir competências clínicas, o acesso a oportunidades educacionais e acadêmicas, a saúde e a satisfação com o trabalho.

O estudo concluiu que a mudança do cronograma reduziu o burnout, melhorou a saúde, o bem-estar e o aprimoramento profissional sem enfraquecer as habilidades clínicas aprendidas pelos residentes ou as pontuações dos exames padronizados.

Ainda assim, os autores do estudo reconheceram que vários fatores, como a pandemia, podem ter limitado os achados. Durante esse período, o estudo passou de submissões presenciais para eletrônicas, resultando em menores taxas de resposta devido a mudanças nas necessidades de força de trabalho e a menos atividades acadêmicas e de pesquisa.

“Uma das coisas que nos preocupavam era que a pandemia fizesse com que [os achados do burnout] parecessem piores”, afirmou o primeiro autor do trabalho, Dr. Dan Heppe, hospitalista e diretor associado no Programa de Residência em Clínica Médica da University of Colorado. “Curiosamente, os residentes talvez podem ter obtido mais apoio no nosso programa do que em alguns outros. Embora tivessem muitas horas com pacientes muito doentes, tentamos continuar numa direção positiva.”

Ele disse ao Medscape que o objetivo da mudança da programação era espaçar rodízios mais intensos e reservar mais tempo para pesquisa, liderança, ensino e aprimoramento profissional. Ele sugeriu que o novo cronograma poderia ajudar em outros aspectos da carreira dos residentes, expondo-os a caminhos alternativos de forma mais estruturada no início de sua formação.

Assim como a maioria dos autores do estudo, o primeiro autor é egresso do programa de residência. Ele lembrou como o programa mudou de vários meses consecutivos de rodízios hospitalares com meio período de ambulatório durante esses rodízios para um cronograma 4 + 1. Porém, a semana entre os rodízios hospitalares não propiciava tempo suficiente para se recuperar ou colocar as obrigações clínicas em dia, continuou ele, que também é professor associado de medicina na University of Colorado.

“Era muito inconstante”, disse ele sobre seu antigo cronograma da residência. “Houve um mês de pesquisa aqui ou ali e clínica, e depois voltamos para a UTI por alguns meses sem interrupção, e era menos estável.”

O Dr. Dan explicou que outros programas de residência manifestaram interesse em replicar a mudança de programação da University of Colorado. Ele admite que pode ser difícil devido à intensa coordenação dos horários e que alguns hospitais podem não querer reduzir os serviços clínicos.

O Programa de Residência Tradicional em Clínica Médica da Yale University, nos EUA, também aboliu recentemente seu plantão de 28 horas, no qual os residentes trabalhavam por 24 horas e levavam mais 4 horas nas passagens de plantão. A decisão foi tomada em resposta às solicitações dos residentes, que relatavam ter chegado a hora do cansativo “rodízio de plantões”. A reação foi extremamente positiva.

Os defensores dos cronogramas com blocos alternados (4 + 4 ou 6 + 2) alegam que eles melhoram a experiência educacional dos residentes, o atendimento ao paciente e a continuidade do cuidado, reduzem casos de burnout e garantem descanso aos residentes.

Promovendo o bem-estar dos residentes

“A premissa de olhar para a programação de uma forma mais consciente representa a solidez no processo de tentar apoiar e promover o bem-estar dos residentes”, afirmou o Dr. Mark Greenawald, médico e vice-diretor de assuntos acadêmicos, bem-estar e aprimoramento profissional no Departamento de Medicina de Família e Comunidade da Virginia Tech Carilion School of Medicine, nos EUA.

Ele disse que cabe aos diretores do programa de residência — ou, dentro de uma especialidade, aos departamentos de educação médica da graduação — determinar se tais modificações do cronograma se encaixam nas suas necessidades de atendimento hospitalar e ambulatorial e de disciplinas eletivas de formação. Os requisitos podem limitar algumas mudanças na programação, mas, dentro da especialidade, há alguma flexibilidade para ser criativo nos estágios. O estudo da University of Colorado considerou a possibilidade de criar um ritmo de residência sem acumular rodízios hospitalares, para que haja tempo de recuperação, acrescentou o Dr. Mark.

“Seres humanos precisam de pausa. Se os residentes trabalharem 80 horas continuamente, começarão a sentir um grande desconforto, e para muitos isso levará ao burnout.

Ainda assim, o estudo apresentou falhas no desenho, porque não explicou como os tempos e horários dos plantões diferiram entre os rodízios hospitalares e ambulatoriais. “O meu próprio programa [de medicina de família] também tem atendimento ambulatorial em conjunto com o hospitalar. Temos metade do dia no hospital, o que garante melhor continuidade no atendimento do paciente.”

O Dr. Mark ainda não viu muitas pesquisas publicadas sobre o impacto das mudanças nas programações dos residentes. Ao adotar uma abordagem experimental, o estudo da University of Colorado mostrou que a sua mudança específica afetou positivamente o cenário do burnout. Se o estudo conduzir a melhorias nas programações de rodízios ou encorajar outros programas a testarem os seus cronogramas, será um passo na direção certa.

Como os residentes respondem

O Dr. Haidn Foster, residente do terceiro ano de clínica médica no Penn State Health Milton S. Hershey Medical Center, nos EUA, lembrou-se de ter tido burnout quando interno. Naquela época, ele ocasionalmente lidava com pacientes doentes e com desfechos ruins e trabalhava muitas horas com apenas um dia de folga por semana. Durante um estágio particularmente desafiador, ele se sentiu sobrecarregado e atordoado, e isso se agravava se um paciente piorasse ou falecesse, lembrou ele.

Seu programa segue um cronograma de seis semanas de treinamento hospitalar e duas semanas de rotações ambulatoriais (6 + 2). O Dr. Haidn afirmou que a reestruturação dos cronogramas dos residentes pode ser mais eficaz do que os comumente utilizados módulos individuais de bem-estar, referindo-se ao estudo da University of Colorado. “Os autores experimentaram uma nova sistemática de enfrentamento da epidemia de burnout que assola a comunidade médica.”

Embora o estudo tenha descrito que as mudanças nos cronogramas não afetaram as pontuações dos exames padronizados, ele trouxe à tona o aspecto das avaliações dos preceptores, outro marcador de competência clínica.

O Dr. Haidn sugeriu que estudos futuros devem tentar mudar a estrutura da oferta de formação médica, avaliando modelos que melhor reduzam o burnout, sejam consistentes com os objetivos de carreira dos residentes e formem médicos competentes.

“O burnout assola nosso sistema médico e faz com que muitos profissionais já formados e em treinamento abandonem a carreira ou cometam suicídio. Não sei se esse mecanismo específico nos ajudará, mas é um passo nessa direção e, portanto, é muito importante.”

Assim como o Dr. Haidn, o Dr. Joey cumpre um rodízio no formato 6 + 2. Ele afirmou que teria gostado de uma programação que contasse com mais treinamento ambulatorial e menos hospitalar, e de poder ver como as mudanças poderiam reduzir o burnout. “Mais tempo ambulatorial dá a oportunidade de respirar. Trabalhando em ambulatório, podemos ter um pouco mais de folga, já que atendemos pessoas menos doentes e em um ritmo mais lento.”

A Dra. Ally Fuher, médica, afirmou que escolheu o Programa de Residência em Clínica Médica da University of Colorado há quatro anos, em grande parte devido ao seu cronograma inovador. A agora residente médica chefe do programa sabia que a estrutura lhe daria mais tempo para exercer outros interesses não clínicos, como pesquisa e educação médica, reuniões regulares com mentores, visita a familiares em outro estado e participação em eventos importantes para ela.

Ela reconheceu que a outra alternativa seria manter um cronograma mais irregular, com a possibilidade de trabalhar até 80 horas por semana em rodízios hospitalares consecutivos, com apenas um dia de folga por semana, quase sem nenhum tempo para planejar outras atividades, muito menos para descansar e se recuperar.

Ela concluiu que uma programação equilibrada a tornou uma pessoa mais completa e animada para se dedicar à sua profissão. Embora não tenha apresentado burnout, ela percebeu que uma mudança de cronograma pode não ser a solução para todos, mas mostra o progresso que os programas podem fazer quando criam mudanças estruturais sistêmicas.